A 39ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou, no último dia 5 de maio e em primeira instância, que uma operadora nacional de plano de saúde arcasse com os custos da importação do Sofosbuvir, medicamento de alta eficácia contra o vírus da hepatite C que eleva as chances de cura para até 90%. A empresa recorreu, mas a Justiça manteve a decisão.
O Sofosbuvir é apontado pela medicina como um método extremamente eficaz no combate à patologia. O entrave é o custo altíssimo. O preço do tratamento completo é de, aproximadamente, US$ 150 mil (R$ 328 mil). O Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não fornece o medicamento. Contudo, a decisão do TJSP abre precedente para que outros pacientes também tenham acesso ao fármaco, seja pelo SUS ou por convênio médico.
A decisão ocorreu mediante ação judicial patrocinada pelo advogado especialista em Direito da Saúde, Columbano Feijó, do escritório CL Feijó Advogados, de São Paulo (SP). A operadora de plano de saúde recusou a custear o medicamento ao autor do processo – e titular do convênio médico -, sob a alegação de que o fármaco não integraria o Rol de Eventos e Procedimentos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão que regulamenta os planos de saúde no país.
A decisão judicial prevê que o autor, não possuindo qualquer tipo de carência, bem como estando em dia com todas as mensalidades do plano, tenha acesso imediato ao medicamento Sofosbuvir, associado ao Simeprevir, em quantidade suficiente para o tratamento completo, no prazo de 24 horas sob pena de multa de R$ 500.
De acordo com Feijó, a recusa da operadora de plano de saúde é abusiva. “Embora o referido tratamento não conste no rol da ANS, a relação jurídica entre as partes é tipicamente de consumo”, explica. “O contrato celebrado é regido por alguns princípios, tais como o da incolumidade física, à saúde e à vida do paciente, confiança e boa-fé, o que significa que, embora não se possa prever os novos tratamentos que surgirão com o decorrer do tempo e a evolução da medicina, o plano de saúde deverá acompanhar esta evolução”, argumenta.
Da mesma forma, acrescenta o advogado, a lei 9656/98, em seu artigo 35-F, prevê que as operadoras de plano de saúde deverão adotar todas as ações necessárias para a manutenção, reabilitação e recuperação da saúde. “Vale ressaltar que, o que está em jogo não é um interesse meramente financeiro, como no caso do plano, mas a necessidade de se receber um tratamento que poderá salvar a vida do paciente, visto que a hepatite C, caso não seja combatida de forma eficaz, pode levar a graves complicações, tais como a cirrose e o câncer hepático, que podem causar a morte”, aponta.
Ainda segundo o especialista, a recusa da operadora em fornecer o medicamento representa indevida interferência na atividade médica. “O médico de confiança do autor tem autonomia para prescrever a modalidade de medicamentos mais adequados e eficazes para sua reabilitação”, afirma Feijó.
Entenda o caso
Em 1996, o beneficiário recebeu o diagnóstico de hepatite C (genótipo 1A), grau moderado da doença. No ano de 2009, constatou-se, por meio de biópsia, um quadro de hepatite crônica pelo vírus Metavir F0A1. A patologia, contudo, manteve-se assintomática e sem complicações. Porém, em 2014, um novo exame evidenciou o avanço da doença à Metavir F2A2, um grau bastante elevado que coloca em risco iminente a vida do paciente.
Feitos os exames de compatibilidade com o medicamento padrão Interferon, constatou-se chances reduzidas de resposta virológica sustentada, além de efeitos colaterais nocivos à saúde. Assim, diante da necessidade de se combater de forma eficaz o vírus, o laudo médico recomendou o uso do Sofosbuvir, associado ao Simeprevir, uma vez ao dia, via oral, durante 12 semanas.
A nova droga, já liberada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), eleva o percentual de cura da doença para até 90%, reduz o tempo de tratamento e poupa os pacientes dos intensos efeitos colaterais produzidos pela combinação de remédios atual para tratar a enfermidade. Outra vantagem é que a droga pode dispensar o uso do Interferon no início do tratamento, o que beneficia especialmente os pacientes que não toleram essa medicação, como é o caso do autor da ação judicial. Por fim, diminui de um ano para três meses o tempo de tratamento.
O desafio, contudo, está no alto preço do medicamento. O custo do uso do Sofosbuvir por três meses (tempo do tratamento) é de US$ 84 mil (cerca de R$ 184 mil). No entanto, em casos mais complexos, como o do autor, especialistas recomendam seu uso associado ao Simeprevir, de US$ 66 mil (R$ 144 mil). Juntos, os fármacos somam uma quantia aproximada de US$ 150 mil (R$ 328 mil).
O agravante é que os remédios ainda não são fornecidos pelo SUS o que levou o autor a recorrer aos serviços do plano de saúde. A empresa, no entanto, negou o fornecimento alegando que, apesar de registrados pela Anvisa, os medicamentos não estão na lista de cobertura obrigatória do rol editado pela ANS. Além disso, o plano de saúde argumentou que o tratamento, via oral, é em regime domiciliar, e que, portanto, não tem obrigação de fornecê-los. Ainda segundo Feijó, o SUS também poderá ser compelido judicialmente a fornecer o medicamento.