Mais perguntas do que respostas: o que acontecerá quando mais humanos começarem a viver até 100 anos?

“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.

Estatuto do Idoso, Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003.

O mundo vem assistindo a um aumento de longevidade e, com ele, teremos que lidar com os impactos sociais, culturais, econômicos, políticos e relacionados à saúde de uma população com expectativa de vida cada vez maior, que está na casa de 77 anos no Brasil, segundo o IBGE.

No final do ano de 2022 ocorreu a terceira Cúpula Anual do Século (Century Summit), organizada pelo Centro Stanford de Longevidade. Especialistas de uma extensa variedade de formações e áreas do saber refletiram profundamente sobre o que está sendo denominado de “período de saúde” de uma vida, com foco em como tornar essas pessoas centenárias em vidas mais saudáveis, produtivas e equitativas.

Uma preocupação dos especialistas é a questão social, pois os resultados de saúde mais favoráveis ​​estão muito ligados à riqueza e maior nível educacional, mas grande parte da população em países menos desenvolvidos, ou em desenvolvimento, tem menos acesso aos cuidados de saúde e outros recursos.

Na verdade, hoje, uma das teorias mais aceitas pelos pesquisadores internacionais é que a longevidade começa ao nascimento, ou seja, é preciso planejar políticas públicas de longo prazo, com investimentos não apenas no sistema formal de saúde, mas, principalmente, em medidas promotoras e preventivas de saúde, além do apoio social e educacional para uma ampla gama de variáveis que apoiam e resultam em saúde física, mental e espiritual e, consequentemente, longevidade.

A discussão central deveria ser não apenas na quantidade de vida, mas sim em sua qualidade. Uma pergunta abordada intensamente pela Cúpula foi: pode uma nação que tem alimentado tanta antipatia geracional (conhecida como idadismo, etarismo ou ageísmo) repensar as relações intergeracionais de forma positiva, sem preconceitos?

Essa questão é tão séria que o idadismo passou a ser alvo prioritário da Organização Mundial da Saúde (OMS), que o define: “ocorre quando a idade é usada para categorizar e dividir as pessoas por atributos que causam danos, desvantagens ou injustiças, e minam a solidariedade intergeracional”. Devido ao reconhecimento deste problema, os Estados-Membros da OMS se engajaram na Estratégia Global e no Plano de Ação sobre Envelhecimento e Saúde e na Década do Envelhecimento Saudável (2021-2030).

Mas será possível, de verdade, nos reinventarmos para acolher os mais idosos de uma forma mais ética e inclusiva? Qual alimentação devemos oferecer aos nossos filhos de tal modo a produzir menos inflamação sistêmica e lesão celular quando alcançarem a vida adulta e a velhice? Como preservar os neurônios da demência? Como evitar o estresse da vida moderna? Como obter a adesão populacional à hábitos de vida saudáveis (como não fumar, fazer atividade física regular, não beber exageradamente, praticar a higiene do sono e cuidar da espiritualidade)? Qual a melhor forma de conseguir a inclusão digital dos idosos em um mundo tão diferente daquele em que foram criados? Que instrumentos deveremos desenvolver para aproximar as gerações que ficarão cada vez mais distantes em tempo? Como garantir os direitos assegurados pelo Estatuto do Idoso? Será que existe espaço para mudança cultural, tirando muitos idosos, especialmente os mais pobres, da negligente invisibilidade?

Uma experiência diversa da nossa pode ser buscada nos países asiáticos, onde os idosos são a representação da experiência e da sabedoria e são reverenciados com atenção, respeito e cuidados. Antagonicamente, no Brasil, a velhice ainda é sinal de decadência e incapacidade. Trata-se de preconceito enraizado, como outros, como o racismo e o machismo. Todos merecem ser igualmente combatidos com ações positivas, que promovam um novo olhar sobre essa janela de oportunidade.

Podemos concluir que há, mesmo, mais perguntas do que respostas e o Brasil deveria ter planejado há tempos o já previsto futuro. A política da atenção global ao idoso deveria ser de Estado para o governo que estava ou para aquele que se inicia porque, independentemente de quem está ou estará no poder, proximamente terá que traçar e implantar estratégias para a superação do desafio imposto pelo idadismo geracional e suas consequências para a qualidade de vida e bem-estar de uma população que já representa aproximadamente 15% do total de brasileiros e que, nos últimos nove anos, aumentou 40%. Comparativamente, a França demorou 45 anos para dobrar sua proporção de idosos de 10% para 20%.

Ou seja, o tamanho do iceberg já é conhecido, mesmo que estejamos enxergando só sua parte exposta e o aquecimento esteja derretendo-o e inundando as redondezas com seus reflexos…

Portanto, já passa da hora de transformar tantas perguntas em efetivas respostas!

Artigo escrito pela profa. dra. Cibele Isaac Saad Rodrigues (professora titular do Departamento de Clínica e da disciplina de Bioética do PPG-EPS, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUC-SP. Coordenadora acadêmica do Hospital Santa Lucinda) e pelo dr. Charles Rodrigues (médico geriatra).

Você também pode gostar: